Conheço um cidadão que parece ter o “dom” de repelir as pessoas. Quando se encontra em um grupo, só ele fala e só ele está com a razão. Não admite nenhuma ideia alheia. Até mesmo suas perguntas (raras) possuem a finalidade de “ensinar” ou debochar, jamais de aprender ou sanar alguma dúvida. Aliás, ele não tem dúvidas.
Outro dia perguntei a um amigo sobre o tal sabichão, e ouvi algo engraçado: “Está insuportável. Se ele morrer afogado no Uruguai, temos que procurar o cadáver rio acima, de tão teimoso que é”. Por causa de seu modo de viver, já granjeou um vasto rol de inimigos, perdeu negócios e até levou surras, sem contar que pela mesma razão também já esteve preso. E não se trata de nenhum bandido; apenas quer ter razão em tudo. Certa vez respondeu a um processo na Justiça – por causa de suas tolices, é claro. Pra variar, na audiência só ele falou. Depois saiu com essa: “Dei uma aula de direito para aquele juizinho novo”. Acontece que o juiz ficara calado para evitar estresse. Mas depois de ouvir as testemunhas, o condenou.
No livro A Gaia Ciência (São Paulo, 2008, Ed. Martin Claret, p. 38), o filósofo alemão Friedrich Nietzsche conclui que pessoas assim possuem “natureza vulgar” (o contrário de natureza nobre), o que as leva a ver o sensato como “uma espécie de tolo”. Mas, na verdade, tolo é quem pensa sempre ter razão.
A Bíblia identifica tais pessoas como tolas, estultas, néscias ou insensatas. E adianta que não há solução humana para o problema da tolice, pois os tolos recusam-se a buscar sabedoria. Então o que devemos fazer é deixá-los “em paz”, sem dar-lhes conselhos ou confrontar suas ideias. Exatamente como fez o juiz da audiência. O sábio Salomão aconselha: “Deixai os insensatos, e vivei, e andai pelo caminho do entendimento. Não repreendas o tolo, para que te não aborreça; repreende o sábio, e amar-te-á” (Provérbios 9.6,8).
Certa vez Jesus chamou a atenção dos seus seguidores de forma contundente. Vendo que os discípulos retiravam as crianças para não perturbá-lo, não só exortou a pararem com aquilo, mas aproveitou para dar-lhes um recado: “deixem que as crianças se aproximem de mim. E tem mais: se vocês não se tornarem como estas crianças, não farão parte no meu reino”.
Não porque crianças são ingênuas, inocentes ou frágeis de espírito, mas porque são autênticas e dinâmicas. Autênticas, porque não vivem de aparências, mas em tudo o que fazem e dizem está a verdade pura. Dinâmicas, porque mudam de ideia e de comportamento sempre que for necessário ou conveniente, sem qualquer formalidade, buscando o bem-estar, a felicidade. A elas não importa a razão; só a felicidade.
Quando a minha filha, Maria Letícia, era pequena, passava várias horas do dia brincando com o vizinho Gabriel, da mesma idade. Em cada desentendimento, o Gabi dizia: “Não sou mais teu amigo”. Jurava nunca mais pisar na casa da Maria, e lá ia ele chorando. Meia hora depois estava de volta, radiante de alegria, como se nada tivesse acontecido. E a brincadeira continuava. Não tenho dúvida de que o Gabi tinha razão em muitas das vezes em que brigaram, mas mesmo assim voltavam a brincar juntos, pois o que aos dois interessava era a felicidade, não o fato de estar ou não com razão.
Entre ter razão e viver feliz, devemos sempre escolher a segunda opção, mesmo tendo razão, mesmo estando certos. Só os tolos fazem o contrário. Mas quantos deles, exatamente por causa desse comportamento estúpido, vivem sem amigos, sem família, estão presos ou no cemitério. E isso é o contrário da felicidade.
Pense nisso antes de brigar por causa de política.
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)