A guerra prossegue sangrenta. O comandante Saul, à frente do exército de Israel, já está desanimando. Seus guerreiros dão sinais de cansaço. E medo. A vida de soldado no campo de batalha por si só é cansativa, perigosa, traumática. Mas agora, para piorar a situação, surge esse gigante filisteu chamado Golias, bem descansado, guerreiro corajoso, experiente e forte, medindo mais de três metros de altura. A luta é desproporcional para os israelitas.
Davi é apenas um adolescente que por ordem do pai vai ao acampamento militar levar alguma iguaria aos três irmãos mais velhos que servem ao exército de Israel. Talvez outro menino de sua idade sentisse medo de visitar o local da guerra; Davi não. Além de curioso e ótimo observador de tudo o que ali se desenrola, é corajoso. Sente desejo de ser um daqueles guerreiros para também poder lutar ao lado dos irmãos, que o repreendem a cada manifestação verbal nesse sentido. Não vê a hora de chegar à idade de soldado.
Num certo dia, assim que chega ao acampamento de guerra, Davi observa algo estranho. Os guerreiros estão amedrontados. Até mesmo seus três irmãos, os quais tinha como heróis. Procurando esconder-se na retaguarda, alguns soldados vão-lhe explicando:
- Observe só o tamanho e a coragem daquele guerreiro inimigo que debocha de nós. Ninguém é capaz de vencê-lo. O rei até já prometeu recompensas para quem derrotá-lo, mas não há quem possa fazê-lo.
É mesmo de dar medo. Gargalhadas, palavrões e gritos do gigante aterrorizam os soldados de Israel. O pavor toma conta até mesmo do comandante Saul, que já não sabe o que fazer. Destacado do grupo, ora andando em círculo, ora avançando em direção ao acampamento dos israelitas, Golias gesticula e berra aos quatro ventos:
- Por que todo esse exército aí, vocês não têm um Deus que guerreia por vocês? Por que estão com medo? Eu tenho uma proposta: escolham o melhor guerreiro para me enfrentar. Se ele me vencer, todos nós seremos escravos de Israel; mas se eu vencer a luta, todos vocês serão nossos escravos.
É a voz mais repugnante que Davi escuta em toda a sua vida. Só que Davi não se atemoriza. Algo estranho, diferente, acontece com ele. Uma voz interior soa mais alto que a voz o gigante. Algo lhe diz bem claro que aquilo pode ter fim. E de repente Davi se sente tomado por uma coragem extraordinária. Sem titubear, depois de inteirar-se da situação e perceber o temor do exército de Israel, dispõe-se a enfrentar sozinho o gigante.
A notícia corre, e Saul manda chamá-lo. Decepciona-se ao ver de perto o rapazinho. Tenta dissuadi-lo da ideia:
- Não podes pelejar contra este filisteu; tu ainda és moço, e ele, homem de guerra desde a sua mocidade.
Davi não aceita o conselho. E conta um testemunho ao Rei, que o escuta com expressão entre espanto e dúvida:
- Quando estava apascentando as ovelhas de meu pai, vinha um leão ou um urso e tomava uma ovelha do rebanho. Eu saía atrás dele, tomava a ovelha da sua boca e a livrava. E quando a fera investia contra mim, lançava-lhe mão da barba e a matava. Este incircunciso filisteu será como um urso ou um leão daqueles na minha mão.
- Como não há mais esperança, também não há nada a perder - pensa o comandante. Enfim, o máximo que pode ocorrer é mais uma baixa no lado de Israel. E mais escárnio dos filisteus, é claro.
Tentam vesti-lo de guerreiro, mas a indumentária fica pesada demais no corpo franzino de Davi. Ele nem consegue andar com a tralha.
Para espanto dos que observam a insólita cena, ele se desvencilha do fardamento, toma sua funda, escolhe com cuidado umas pedras pequenas bem redondas, e caminha decidido em direção a Golias (continua em edição posterior).
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)