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A dádiva de viver na roça. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
Notícias
Publicado em 27/07/2023

Nasci e cresci na roça. Meus pais eram pequenos agricultores. Estudei em escola rural até à quinta série, depois passei a frequentar escolas da cidade, deslocando-me de lotação paga pelos meus pais. Não havia transporte público. Era sofrido levantar às cinco da manhã e andar dois quilômetros para embarcar na Kombi com destino à escola. Todos os dias, menos domingo só. A estrada era de terra vermelha. Quando chovia muito, até as calças ficavam embarradas. Mas não faltava.

         Era sofrido, mas gostoso. Porque eu era um sonhador inveterado. Sonhava em me formar em um monte de coisas e depois voltar para a roça. Porque minha infância e adolescência no interior eram muito boas. Eu e minha família éramos felizes em nosso modo de vida simples.

         E não é que realizei meu sonho? Estudei bastante, e agora moro na roça.

         No sítio de menos de dez hectares, minha família e eu produzimos quase cem por cento do que comemos, tudo orgânico. Sem veneno e sem adubo químico. Mais de cinquenta variedades de frutas, verduras, legumes, cereais, mel e doces de frutas. Temos uvas frescas por seis meses do ano, além dos respectivos subprodutos, principalmente o vinho, elaborado em parceria com meu irmão Ruben. Temos vaca, peixe e galinha caipira, alimentados sem ração industrial. Assim, temos à vontade ovos, leite, queijos e iogurte natural. Quase não gastamos em supermercado.

         E agora quero exaltar a tecnologia. Para mim, o freezer deveria ser considerado uma das principais invenções do homem. Que máquina fantástica! Temos sete delas, grandes. Cheias de feijão, milho, soja, linhaça, ervilha, aveia, trigo, tomate, mandioca, moranguinho, melado e outros alimentos congeláveis. Tudo produzido por nós, sem veneno, bem do jeito que aprendemos a produzir com meu pai e minha mãe, na roça dobrada do Lajeado dos Machados, em Tenente Portela.

         A comida da nossa casa é feita pela minha esposa, Mágida (agricultora e professora com mestrado em Desenvolvimento), mas quase sempre com a minha participação e da nossa filha, Maria Letícia, nutricionista hoje cursando mestrado nessa área.

         Confesso que tenho resistência em comer fora, porque as refeições da minha casa são sempre uma festa. Não temos empregada doméstica porque gostamos de realizar pessoalmente uma das tarefas mais importantes da nossa vida: preparar refeições a partir do que produzimos e guardamos. É sempre uma refeição simples, como simples é a vida que levamos. Mas saudável e saborosa.

         Gostaria que todas as pessoas pudessem experimentar também o prazer que sentimos quando lidamos com a nossa comida. E uma vida simples assim produz união familiar, alegria, saúde e sonho. Sem esquecer que faz sobrar um dinheirinho para a época da crise, que sempre vem. Porque o nosso “rancho” não custa nada, vem da nossa terra.

         Agora um conselho aos pequenos agricultores: mantenham sempre um modo de vida simples, como antigamente. Vocês são privilegiados por estarem de posse de uma terra para plantar e por saberem mais do que ninguém como produzir alimentos. Isso é uma bênção incomparável.

         Uma pesquisa mostrou que mais de 60% dos moradores da cidade de São Paulo sonham voltar para a roça, de onde um dia saíram na ilusão de viverem melhor na cidade. Por isso afirmo que os pequenos agricultores que não saíram da colônia são privilegiados. Mas, para aproveitar esse privilégio de morar no campo, é preciso comprar menos na cidade e produzir a comida da família para o ano todo. Sem veneno e sem adubo químico, como eu e minha família fazemos. Enxerguem a terra como meio de produzir comida, em primeiro lugar. Não só porque o gasto com supermercado é muito alto, mas também porque os alimentos comprados estão cheios de veneno. Fazendo isso, vocês vão ter mais saúde, além de economizar o dinheiro do supermercado. E no final vai sobrar de verdade o dinheiro da safra, pois não haverá muita dívida para pagar.

Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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