A legislação brasileira atual determina que os animais sejam tratados como sujeitos de direitos, e não mais como coisas. Mas infelizmente nada muda, na prática, pois maltratar animais faz parte da cultura dos brasileiros. E são milhares as formas de judiaria, tortura e toda sorte de crueldade que as pessoas cometem contra os bichos. Sem nenhuma necessidade. É que a sociedade brasileira está doente. Doente da cabeça e da alma.
Muitas pessoas são más por serem estúpidas e ignorantes. Mas outras fazem os animais sofrer por pura maldade mesmo. Um exemplo claro é manter um pássaro fechado, sem poder voar. Dá tristeza saber que grande parte dos comércios agropecuários oferecem esses bichinhos para venda, mesmo sabendo que o comprador vai manter o pássaro na prisão pelo resto de sua “vida”.
Outro dia vi numa loja mais de 30 periquitos em uma pequena gaiola. Quase não podiam se mexer por falta de espaço. Será que esses empresários não podem ganhar dinheiro de outra forma? Será que eles não conseguem colocar-se no lugar do bichinho preso?
Todos os pássaros são dotados de habilidade natural para voar. E necessitam voar. Presos em gaiolas, são impedidos de exercitar essa função essencial da vida. E tirar-lhes a possibilidade de voar é o mesmo que destruir-lhes a vida.
Só essa razão já basta para tornar repugnante, hedionda, covarde a conduta humana de prender pássaros.
Estudando os hábitos dos pássaros comercializados em todas as cidades do Brasil, é fácil constatar que muitos deles necessitam voar por distâncias inacreditáveis. Alguns até centenas de quilômetros por dia. Outros são migratórios, chegam a mudar de continente uma vez por ano, voando sem parar por milhares de quilômetros. Precisam disso para viver. E assim contribuir para o equilíbrio da vida planetária. Da nossa, inclusive, é óbvio.
Pássaros de hábitos gregários, que precisam viver em grandes bandos, são individualmente isolados em gaiolas. E comercializados a preço vil - de maneira que estão sujeitos à posse de qualquer pessoa. E levados da loja agropecuária para terminar a “vida” em lugares ainda mais aterradores: as casas das pessoas. Onde nem mais podem escutar a voz de um semelhante. Lá na loja ainda era possível ouvir a voz dos irmãos. Voz de lamento, tristeza, saudade, angústia e medo, é claro. Mas agora, na casa do novo dono, está só. Preso. Condenado ao sofrimento. Para sempre.
Pássaros que no primeiro acasalamento, no ambiente natural, escolhem um parceiro para convívio fiel por toda a vida, são brutalmente impedidos de cumprir esse desiderato divino. São covardemente arrancados da companhia de seu par e sentenciados à solidão perpétua de uma gaiola.
Pássaros que necessitam de sol e muita luz são trancafiados nas sombras dos estabelecimentos comerciais por meses até que apareça um comprador para levá-los a destino ainda pior.
Outros pássaros, de hábitos noturnos, ficam expostos em vitrines iluminadas, miseravelmente privados da escuridão. E essa tortura continua na casa do comprador.
Chocam-me as justificativas para o injustificável comércio de pássaros. “São exóticos”. Como se lá no país de onde vieram não fossem nativos. “Nasceram em cativeiro, estão acostumados com a gaiola”. Como se essa incomparável maldade desaparecesse pelo decorrer do tempo. “Não sabem mais viver na natureza”. Essa última é a pior. Roubar de um ser vivo o dom de viver naturalmente é pior do que matá-lo.
Antes da pandemia estive palestrando para mil adolescentes evangélicos. Plateia fantástica! Um congresso. A vida era o tema. Aproveitei o enlevo do ambiente para expressar o que penso de pessoas que adquirem um animal para mantê-lo em gaiola. Muito mais que crime, um grande pecado. E acrescentei: não acredito que Deus está com uma família que mantém um bichinho em gaiola. Na verdade tenho certeza que Ele não está. Deus seria injusto se abençoasse ou cuidasse de alguém que prende um animal para “bonito”.
A Resolução 1069/2014, do Conselho Nacional de Medicina Veterinária, obriga as agropecuárias a proporcionarem aos animais um ambiente livre de barulho, com luminosidade adequada, livre de estresse, com conforto e espaço para se movimentarem de acordo com as suas necessidades.
Ora, para respeitar o direito de um pássaro movimentar-se conforme suas necessidades só tem um jeito: deixá-lo livre na natureza. Do contrário, a Norma do Conselho está sendo descumprida. A Constituição Federal e a legislação de proteção dos animais também.
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
Foto: Arquivo Rádio JB