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Vaca feliz dá lucro. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
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Publicado em 07/09/2023

Os produtores de leite estão se queixando que o leite não dá mais lucro. Dizem que na verdade já estão pagando para trabalhar. Sabe por quê? Porque suas vacas vivem doentes, tristes, solitárias e por isso são profundamente infelizes. E vaca infeliz não dá lucro.

        Para comprovar o que estou dizendo, começo contando sobre uma das vacas que temos no sítio onde moro. Sem pedigree, uma cruza de Jersey, Holandês e Gir. Porte médio, pouco mais de 300 quilos, sete anos de idade. Sem pedigree, mas feliz. Visivelmente feliz. Seus olhos pretos brilham de alegria. O pelo baio bem nutrido tem a textura da fina lã de caxemira da Mongólia. Seu peso de vaca adulta não impede o andar elegante que mais se parece com o de uma gazela. Possui um belíssimo úbere rosado de formato alto e colado na barriga. Sua infância foi feliz. Nasceu de uma vaca bem cuidada e igualmente feliz, mamou até dois anos de idade. Na verdade nunca foi desmamada, só parou de mamar porque quis. E não conhece corda, confinamento ou outro instrumento de tortura de animal.

        Mas agora começa a parte da história que vai interessar aos produtores de leite inteligentes. Essa vaquinha baia tem uma bezerra que aos 10 meses já pesa mais de 300 quilos. A filhota ainda está mamando, logicamente, porque por aqui jamais se desmama bezerros; eles param de mamar por conta, quando a mãe começa a encher o úbere para ganhar um novo bebê. A natureza é sábia. A revolução hormonal que acontece no organismo da vaca grávida decerto provoca um gosto desagradável no leite, levando o bezerro já quase adulto a abandonar aos poucos o hábito de mamar.

        Separamos a bezerra só à noite, para tirar leite na manhã do dia seguinte. Logo que pariu, essa vaca dava 20 litros por tirada de manhã, mesmo a bezerra mamando à vontade durante o dia. Agora conserva a média diária de 15.

        Sem silagem e sem ração comprada, a alimentação dessa vaca é composta apenas de pastagem verde durante o dia, com uma porção de mandioca fresca servida na hora da ordenha.

        Essa vaca nunca tomou qualquer tipo de medicamento, porque animal feliz não fica doente. Não precisa vermífugo nem outro veneno para controle de carrapatos, bernes, moscas ou piolhos. Porque levamos a sério o sistema de rotação de pastagem, deixando os animais não mais que dois dias em cada talião de pasto. E também levamos a sério o cuidado com a biodiversidade. Não usamos qualquer tipo de agrotóxicos que possam afetar animais ou vegetais. Em toda a propriedade. No pasto o gado também come ervas daninhas que controlam e afastam parasitas. E nas matas ao redor vivem inúmeros e diversificados predadores naturais dos parasitas, como pássaros, lagartixas, cobras, sapos, rãs, aranhas e outros. Na água dos açudes temos vários tipos de peixes, que controlam a população de mosquitos borrachudos, um problema muito grande para o gado nas propriedades convencionais por aí.           

        Nem é preciso dizer que uma vaca nessas condições vive por mais de vinte anos produzindo essa média de 15 litros por dia sem deixar de amamentar. Um agricultor com 12 vacas assim pode vender cerca de seis mil litros de leite por mês, ordenhando apenas de manhã. Sem gastar com ração e medicamentos. Basta que tenha 12 hectares de pastagem. E ainda pode vender a cada mês um novilho precoce de 400 quilos que chegou a esse peso só com pasto e leite. Veja só o lucro extraordinário que dá uma criação assim. Quase sem gasto e com um trabalho leve.

        Qual o segredo? A felicidade dos animais. E isso é comprovado pela ciência. A presença do terneiro leva o cérebro da vaca a produzir um hormônio chamado ocitocina, que faz com que o úbere possa liberar todo o leite nele armazenado, e ainda promove um sentimento de afeto e bem estar no animal. Separando o terneiro da vaca, os dois ficam doentes e passam a depender de remédios. A vaca produz um leite tóxico, e bem menos. E o bezerro não desenvolve. Por causa do trauma da separação. O agricultor trabalha muito mais e lucra muito menos.  

 Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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