Jônatas e Davi são dois amigos inseparáveis. Cresceram brincando e sonhando juntos. O primeiro é filho do rei, e por isso candidato natural a ocupar o trono quando seu pai morrer. Mas Davi já está indicado para ser o próximo na sucessão do reino; foi até ungido pelo sacerdote. E Jônatas, mesmo sabendo que o amigo Davi é quem reinará assim que o rei morrer, não sente um pingo de inveja; a amizade entre os dois permanece sólida.
Certo dia os dois amigos decidem fazer um pacto de fidelidade recíproca, comprometendo-se a fazer tudo o que for necessário para protegerem-se mutuamente de todo e qualquer mal que alguém lhes possa fazer.
Jônatas percebe que o rei, seu próprio pai, está tomado de ódio e inveja contra Davi. Em honra ao pacto, não espera para avisar que o amigo corre risco de morrer nas mãos do rei.
O rei percebe que o filho protege Davi. Fica furioso e tenta matá-lo também. Mas Jônatas continua firme no propósito de proteger o amigo, pois o que o rei está fazendo contra Davi é uma grande injustiça. E graças à fidelidade de Jônatas, Davi consegue escapar.
O tempo passa e naturalmente os distancia daquela rotina diária de convivência, mas não do sentimento de amizade sincera que nutrem um pelo outro.
Agora o rei Saul está morto. Davi assume o trono. O amigo Jônatas também havia morrido na guerra. Todos que pertencem à linhagem do rei morto estão longe da família real. Inclusive, logicamente, os parentes de Jônatas.
Muito tempo depois, cessadas as guerras e reorganizado o reino, o rei Davi se detém a pensar no falecido amigo. A saudade lhe assalta impiedosa. Lembra como os dois levavam a sério o pacto. Sente uma tristeza imensa ao lembrar quantas vezes foi salvo da morte pelo amigo. Mas ele, Davi, nada pôde fazer para livrá-lo de morrer na guerra.
Pensa então numa maneira prática de reviver os bons tempos em que Jônatas era vivo. E manda chamar Ziba, um ex-servo do falecido rei Saul, para quem pergunta:
- Há ainda alguém que tenha ficado da casa de Saul, para que lhe possa ajudar por amor de Jônatas?
- Apenas um rapaz, chamado Mefibosete, deficiente físico – responde Ziba. Os outros parentes do rei Saul e de Jônatas foram todos exterminados na guerra.
Naquele tempo um deficiente físico não era considerado cidadão, não tinha nenhum direito a nada. Por isso Mefibosete vive em situação de mendicância, morando de favor fora da cidade, num lugar inóspito chamado Lo-Debar.
O rei Davi não hesita. Vai pessoalmente àquele lugar indesejável para encontrar o único sobrevivente da linhagem do antigo rei.
Arrastando-se na areia escaldante, eis que surge o tal Mefibosete por entre entulhos, lixo e alguns animais domésticos. É o filho de Jônatas, que em nada se parece com ele. Está desfigurado pelo sofrimento.
Mefibosete sabe que deve ser morto à espada, pois nessa época não há outro fim para quem pertence à linhagem de um rei deposto. Tomado de pavor, vai logo dizendo ao rei Davi:
- Sou um cão morto, o que o rei quer de mim?
- Vim te salvar dessa situação, para honrar um pacto que fiz com teu finado pai – replica Davi.
E leva Mefibosete para viver no palácio como integrante da família real, como filho do rei.
Essa bela história da Bíblia (II Samuel capítulo 9) ilustra com perfeição a forma como se concretiza a graça de Deus em nossa vida. Muitos vivem espiritualmente como Mefibosete. Desterrados, sem esperança, indignos de qualquer direito que os permita sonhar e ser feliz. Escondidos nos seus traumas, fracassos e falta de fé. Mas Deus chama a todos para integrar a família real, para comer à mesa do rei e gozar dos privilégios de príncipe no seu Reino.
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)