É inegável e notória a influência que o agronegócio exerce sobre as ações governamentais e legislativas relacionadas a políticas agrícolas. Influência que reverbera negativamente nos sistemas de proteção à saúde e ao meio ambiente. Diria até – usando uma expressão do constitucionalista alemão Ferdinand Lassalle - que o agronegócio constitui-se no mais autêntico fator real de poder, ou seja, exerce poder de fato sobre o Legislativo e o Executivo, através de sua imbatível bancada parlamentar, que sempre se junta às bancadas da bala e evangélica quando o assunto é a defesa dos interesses do setor.
É nesse contexto lamentável que entre 2019 e 2022 o governo federal liberou cerca de 1.500 substâncias tóxicas para utilização na agricultura do Brasil, grande parte delas proibidas nos países onde são fabricadas.
Somando-se isso ao desmonte dos serviços públicos de monitoramento e fiscalização de infrações ambientais, ocorrido no mesmo período, temos um futuro sombrio no que se refere à saúde e ao meio ambiente.
Mas algo infinitamente pior está para acontecer: a vigência de uma lei federal originada do Projeto 6.299 de 2002, o chamado “Pacote do Veneno”. O PL já foi aprovado na Câmara dos Deputados, e agora está para ser votado no Senado. Já está na pauta. A partir dessa nova lei, iniciará no Brasil o ciclo mais perverso de destruição da vida de que se pode ter notícia em um país medianamente civilizado.
O referido PL desmonta por completo o sistema legal vigente que trata do registro, comércio, utilização e fiscalização em relação aos agrotóxicos. Destaco apenas 4 pontos, dentre as dezenas de retrocessos presentes no texto desse lamentável Projeto de Lei:
1 - Restringe a participação dos órgãos de saúde e meio ambiente no processo de avaliação e registro dos agrotóxicos. Pela legislação atual, para liberação de registro ou reavaliação de veneno há participação do Ministério da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. Com a nova lei, tudo ficará a cargo do Ministério da Agricultura, apenas, inclusive a escolha dos fiscais e técnicos. O PL prioriza o lucro em detrimento da saúde e do meio ambiente;
2 – O PL também determina que os Estados e o Distrito Federal não poderão estabelecer restrição à distribuição, comercialização e uso de produtos devidamente registrados ou autorizados. Significa que os Estados, Distrito Federal e Municípios estão impedidos de editar normas mais protetivas à saúde e meio ambiente, mesmo que isso seja a vontade dos cidadãos. É realmente algo de extrema gravidade. Ainda, proíbe que os Municípios legislem sobre o uso e o armazenamento de agrotóxicos, seus componentes e afins.
3 – Acaba com os critérios de proibição de registro de agrotóxicos baseados no perigo. Na atual legislação, há vedação de registro de substâncias que revelem características teratogênicas (que provocam anomalias no feto), carcinogênicas (cancerígenas) ou mutagênicas (que alteram o DNA), ou provoquem distúrbios hormonais e/ou danos ao sistema reprodutivo (art. 3º, §6º, “c”, da Lei n. 7.802/89). Com a aprovação do PL, os agrotóxicos com tais características poderão ser registrados, comercializados e utilizados;
4 – Possibilita ainda o registro temporário de agrotóxico por mero decurso de prazo, ou seja, quando não houver a manifestação conclusiva pelos órgãos responsáveis dentro de 12 meses. Note-se que mesmo uma substância carcinogênica, teratogênica ou mutagênica poderá obter o registro e autorização para uso, sem prévia avaliação técnico-científica.
Enfim, se o PL 6.299 for transformado em lei com os termos em que se apresenta hoje – e tudo indica que será -, não resta outra conclusão: viveremos um cenário apocalíptico em relação à saúde e o meio ambiente.
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)