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A Pátria e os sem-pátria. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
Notícias
Publicado em 17/11/2023

Não costumamos refletir sobre a grande maravilha que é ter uma pátria. Isso pode até não significar falta de apreço pela Pátria, mas significa, com certeza, que nunca experimentamos a sensação devastadora de não ter uma pátria. Se os povos curdos ou palestinos passassem a gozar do privilégio de ter uma pátria, como nós, do Brasil, não tenho dúvida de que viveriam em festa, comemorando isso todos os dias do ano.

         Enquanto sequer lembramos de agradecer a Deus pelo privilégio de termos uma pátria, há milhões de pessoas sem um lugar para estar no mundo. Não estou falando de pessoas que não têm onde morar por não possuírem condições de comprar uma casa, o que por si só já é profundamente desumano, injusto; estou falando de pessoas que não podem permanecer dentro do território de qualquer país do mundo. Refiro-me a pessoas que não podem pisar em nenhum lugar do mundo, porque todos os lugares do mundo pertencem a um determinado país. Pessoas rejeitadas por todas as outras pessoas do mundo, porque não integram uma nação. Não são considerados cidadãos. De nenhum lugar. Quando surpreendidas pisando o solo de uma nação, em qualquer lugar do planeta, são presas e, em muitos casos, torturadas e mortas só porque não têm onde ficar no mundo.

         Como vivem, então, esses milhões de sem-pátria? Vivem precariamente acampados, em lugares inóspitos permitidos pela ONU. Mas vigiados vinte e quatro horas por dia. Tudo o que fazem é censurado. Não podem falar sua língua, escrever em sua língua, cantar suas músicas, dançar suas danças, realizar seus cultos, enfim, são proibidos de exercer sua cultura. Mesmo que alguém deles tenha algum dinheiro, não pode realizar oficialmente qualquer negócio com pessoas estranhas ao gueto onde vivem acampados. Seus filhos, quando em raras ocasiões são liberados para frequentar a escola, são proibidos de falar a língua dos pais e obrigados a aprender a língua da nação dona da escola, e ainda submetidos a sistemático preconceito oficial e bullying etc. Nem é preciso dizer que quase todos abandonam a escola imediatamente.

         Exemplo de povos que vivem nessa situação são os curdos e palestinos (no Oriente Médio), os bascos (na Espanha), os chechenos (no Leste Europeu) e os tibetanos (na Ásia).

         O povo curdo é o mais numeroso dos povos sem-pátria, composto por mais de 26 milhões de pessoas. São encontrados curdos nos territórios da Turquia, Armênia, Irã, Iraque, Síria e Azerbaijão. Atualmente a grande luta desse povo concentra-se no sonho de criar um país próprio, que se chamaria Curdistão.

         Dividida em clãs, a maioria da população curda é mulçumana sunita e se sustenta a partir de uma economia primitiva baseada na criação de animais e fabricação artesanal de tapetes.

         Os movimentos sociais curdos que buscam o reconhecimento do Curdistão são reprimidos com violência. No Iraque, durante a ditadura de Saddan Hussein, houve a destruição de cidades e vilas curdas inteiras, além de genocídios com a utilização de armas químicas (veneno). Numa ocasião, 3 mil curdos foram envenenados com tálio (veneno de rato). Em 1988, Saddan ordenou um ataque com gás tóxico (sarin) na cidade curda de Halabja. Esse tipo de arma química afeta o sistema nervoso e provoca lesões na pele, ocasionando uma morte extremamente cruel. Como as consequências da intoxicação podem permanecer por muitos anos afetando a saúde, esse envenenamento continua matando os curdos até hoje.

         Na Turquia, onde vivem cerca de 15 milhões de curdos, é proibido o estudo da língua curda em todas as escolas. Nos últimos anos ocorreu a morte de milhares de curdos na Turquia, vítimas das perseguições que se intensificaram depois da criação do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (continua em edição posterior).

Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

 

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