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Barreiras do conforto. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
03/12/2023 17:34 em Notícias

 

         Depois de andarem por várias horas em uma região montanhosa, o sábio e seu pupilo encontram uma casinha que de tão velha já pende para cair. As batidas na porta despertam um senhor de semblante melancólico, que sem levantar da cama limita-se a dizer com voz arrastada:

         - Entre, a porta está aberta.

         - O senhor mora sozinho aqui? - indaga o sábio.

         - Não, moro com meus quatro filhos, que estão na escola, responde o homem ainda deitado.

         - Se as crianças estão estudando, um dia essa miséria há de passar – pensa o mestre. Mas o morador vai logo explicando:

         - Estudar não adianta nada, nem eles gostam, mas precisam ir à escola por causa da merenda, se não, passam fome. A única coisa que temos é uma vaquinha. Enquanto as crianças eram pequenas, conseguia sustentar a família com ela, vendendo leite na vila. Ainda dava para fazer queijo e tomar o leite que sobrava. Mas agora, além de aumentarem as despesas da família, a vaca envelheceu e por isso dá muito pouco leite. Não tem mais jeito. Estamos morrendo com a vaca.

         Na saída, o discípulo interpela comovido o mestre, que por mais de uma hora permanecera mudo ouvindo a lamuriante ladainha daquele ancião quase moribundo:

         - O que faremos para ajudar esse pobre homem?

         - A solução é simples - responde o mestre. E puxa a vaquinha esquelética pela corda rumo a um precipício.

         - Mestre, o que o senhor está fazendo?! - reage assustado o rapaz.

         - Estou resolvendo para sempre o problema dessa família - retruca o sábio.

         Mesmo quando provocado, o mestre nunca mais toca no assunto.

          Quinze anos mais tarde, sem conseguir conter a curiosidade, o então discípulo decide voltar ao local da casinha. Fica perplexo. Em meio a um florido jardim, no local agora se ergue uma casa linda e confortável ladeada por um pomar cheio de frutas e uma horta bem cuidada. E Emendada à aprazível moradia está uma vasta pastagem onde comem sossegadas sessenta vigorosas vacas de leite.

         Um jovem culto e prestativo explica ao visitante:

         - Este lugar já foi muito feio. Eu e mais três irmãos vivíamos aqui com nosso pai, em completa miséria. Tínhamos apenas uma vaca, da qual o pai tirava nosso sustento, até que um dia ela caiu naquele precipício e morreu. Desesperado, nosso pai então nos internou no colégio agrícola, voltou para casa e se jogou no mesmo precipício. Passamos muita tristeza, mas depois conseguimos superar a morte do pai, pegamos o diploma de agrônomo, e hoje vivemos bem, cada um dos quatro irmãos dirige um rentável negócio que iniciou com um projeto monitorado pela equipe técnica do colégio. A mim tocou este pedaço de terra onde nascemos, o que considero um grande privilégio.

         Agora o visitante entende a decisão do sábio.

         A vaca do episódio tem duplo significado: mantém a família vivendo, mas ao mesmo tempo está levando todos à ruína. Se de um lado permite a sobrevivência – embora parca -, de outro serve de barreira intransponível para o progresso.

         Facilmente encontramos em nossa volta pessoas que vivem exatamente assim, sem conseguir ultrapassar a barreira confortável que impede seu sucesso. Confortável? Sim, nosso corpo e nossa mente gostam da mesmice, da mediocridade, do mais ou menos, da rotina decorada. Ou alguém ousará sustentar que é mais cômodo ir à escola à noite do que curtir a novela espalhado no sofá?!

         Falar nisso, acho fantásticos esses estudantes que viajam dezenas de quilômetros todas as noites, durante cinco anos, para cursar uma faculdade. Que exemplo de garra, de sonho, de superação das barreiras do conforto. Não tenho dúvida de que Deus tem grande interesse por esse tipo de gente (continua em edição posterior).

Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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