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Rodeio crioulo – uma tradição cruel. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
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Publicado em 15/12/2023

Você já pensou na hipótese de se divertir com o sofrimento do outro? É claro que não. Mas se você curte rodeio crioulo é exatamente isso que acontece. Você se diverte enquanto os animais são torturados. Você grita de alegria, aplaude e ri, enquanto bezerros, vacas e bois sofrem ansiedade, medo, pânico, diarreia, dor, solidão, perseguição, sede, fome, calor, cansaço. E estresse extremo em razão do barulho de gritos, palmas e música.

         Apontei algumas formas de sofrimento dos animais. Mas a lista é muito maior, interminável. E a tortura começa bem antes do dia das provas. Lógico, o competidor quer ganhar prêmio, por isso precisa treinar muito. Ouvi de um peão que chega a treinar por dois meses para um rodeio. - Treino com vaca mecânica também, mas o que vale mesmo é no animal de verdade -, referia orgulhoso por já ter levantado importantes prêmios. Explicou que separa um grupo de bovinos “mais assustados” (traumatizados) e só para de laçar quando o último não tem mais forças para correr. Por vários dias.

         Nos treinos, esses peões chegam a laçar uma centena de vezes por dia. Para quem não sabe, laçar para treinar inclui perseguir o animal com toda a velocidade de um cavalo treinado. Quando o peão acerta a laçada nos chifres ou pescoço, o animal perseguido é puxado de soco, vindo quase sempre a cair de maneira violenta. Quando se trata de um bezerro, mais leve, é até arrastado pelo cavalo. E não pense que nos dias do treino os animais são alimentados. Mesmo porque não comem nem bebem em razão do extremo nervosismo. Todo animal é como o ser humano nesse ponto. Quando está com medo não come.

         Estou falando apenas de tiro de laço e assemelhados. Mas existem dezenas de outras formas de judiaria de animais nas arenas e piquetes de rodeios pelo Rio Grande e Brasil afora.

         Os animais levados para os rodeios são primeiro retirados de seus locais onde comem, dormem e convivem com semelhantes. E animais precisam de convivência social, exatamente como nós com nossas famílias e amigos. Bovinos são gregários, precisam viver em manada, em grupo organizado, com regras e liderança naturais.

         Imagina a crueldade e covardia de um ser humano que retira esse ser vivo de seu grupo social onde mora, para levá-lo à força a um lugar estranho, deixá-lo fechado com outros animais estranhos também traumatizados por sofrimentos pretéritos (os “mais assustados”, como disse o peão que mencionei). Privá-lo do sono por vários dias (sim, o medo impede o sono), e mantê-los o tempo todo em pânico. Para diversão.

         No local onde ocorre o rodeio, para piorar a situação de sofrimento dos animais ali aprisionados, realizam-se shows musicais, discursos de autoridades, sorteios de prêmios e programas radiofônicos ao vivo, todos com volume de som insuportável para os animais já amedrontados. A iluminação também é excessiva e por isso prejudicial à saúde dos animais, que, sem dormir, começam a apresentar sintomas de desequilíbrio neurológico como diarreia e tremores.

         Já desorientados, em pânico e desesperados, agora esses bois ou bezerros são açoitados, espancados violentamente com paus ou cutucados com instrumento de choque dentro do brete por alguém que aos gritos abre a porta do cubículo, e então o bichinho salta desatinado, e corre com toda a força que ainda lhe resta. Tentando em vão escapar do sofrimento atroz e injusto. Mas é exatamente disso que os peões precisam para arrancar efusivos aplausos da claque. Sim, é dessa sórdida brutalidade contra um animal indefeso que brota a alegria da plateia. Risos fartos, gritos, palmas e pulos. Enquanto o peão capricha na brutalidade.

         Para uns, todo esse sofrimento infligido a um animal semelhante a nós é exclusivamente por dinheiro. Dinheiro dos ingressos, da cerveja, dos shows e dos prêmios. Mas para 99% dos frequentadores, é por pura diversão.

         E muitos pais levam os filhos a essa festa da crueldade. Decerto para que a violência contra os animais nunca termine, pois, afinal, chamam isso de tradição ou cultura.

Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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