Conta-se que uma mulher indiana viajou por muitos dias a fim de levar seu filho à presença de Gandhi, para que o grande líder convencesse o menino a parar de comer açúcar. Todos os outros métodos haviam falhado, e a criança já apresentava sintomas de doença em razão do péssimo hábito.
Depois de ouvir a mulher, Gandhi se limita a dizer que volte com o filho dali a duas semanas.
Embora desapontada e confusa com a atitude do mestre, ela cumpre a ordem, retornando no prazo indicado.
Agora Gandhi satisfaz o desejo da mãe. Com a autoridade de líder comunitário, político e espiritual, olha bem nos olhos da criança e dispara:
- Menino, pare de comer açúcar.
Curiosa e ainda inconformada com a atitude que o mestre tomara da primeira vez, a mulher pergunta:
- Por que o senhor não disse isso na primeira vez que aqui estivemos?
- Acontece que naquela ocasião eu também tinha o hábito de comer açúcar – responde o sábio, sem que o menino perceba.
Desse episódio colhemos valiosa lição sobre coerência. O grande líder hindu não quis ensinar naquele momento aquilo que ele próprio não era capaz de praticar.
Coerência foi tema de destaque nas pregações de Cristo. Era tudo o que faltava na vida dos líderes políticos e religiosos da época, que foram por isso censurados pelo Mestre.
Do ponto de vista ético, a postura de Cristo é espetacular. Primeiro ele recomenda respeito pela figura da autoridade legalmente constituída. Mas depois adverte no sentido de que o modo de vida dos governantes e líderes religiosos não pode servir de exemplo a ninguém:
- Os mestres da lei e os fariseus se assentam na cadeira de Moisés. Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles dizem a vocês. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam. Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los.
Falando agora aos tais líderes, olho no olho, o discurso do Mestre é incisivo. E coerente:
- Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos só por fora. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade.
Praticar o que se prega é difícil. Mas é preciso fazê-lo para não cair em descrédito perante as pessoas. E não existe coisa pior na vida social do que sermos desacreditados. É exatamente o que está acontecendo com os religiosos e políticos no Brasil. Muitos deles são pessoas sérias, honestas, mas toda a respectiva classe caiu no descrédito por causa da conduta incoerente de alguns.
Em relação aos políticos, devemos ter bem claro que na democracia a conduta deles reflete exatamente o modo de vida da sociedade toda, pois os políticos representam a coletividade. Assim, quando constatamos que a corrupção, a desonestidade, a incoerência permeiam a vida política do País, é bom não ficarmos acusando apenas os políticos sem olharmos bem ao nosso redor, pois os mesmos defeitos morais dos políticos são encontrados com facilidade em todos os outros segmentos da sociedade.
Se Cristo viesse hoje pregar no Brasil, com certeza não diria apenas aos políticos e religiosos “ai de vocês, que pregam uma coisa e fazem outra”; a lista de destinatários de suas repreensões seria muito extensa.
Ninguém é obrigado a ser como Gandhi ou Cristo. Mas melhor é nunca pregar ou ensinar se não for para demonstrar na prática que fazemos e vivemos o que pregamos, que somos realmente aquilo que parecemos.
Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)