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O melhor lugar. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
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Publicado em 06/02/2024

Certo homem vivia descontente com tudo. Vizinhos, parentes, governo, ninguém prestava para ele. Além disso, tudo o que possuía era uma casa simples, que abrigava apenas as coisas indispensáveis para uma vida modesta, por isso sentia inveja de quase todos os moradores da cidade que tinham mais dinheiro. Pensava todos os dias, convicto:

         - A razão da minha infelicidade é a falta de dinheiro à vontade. Se fosse rico, construiria uma casa bonita, compraria carros de luxo, trabalharia menos, seria uma pessoa famosa, poderia viajar pelo mundo e, enfim, seria feliz.

         Anos e anos dessa rotina morna se passam, até que um dia a sorte chega com tudo na vida do homem. Acerta sozinho na loteria, recebendo o prêmio que se havia acumulado por várias semanas. Sua rotina morna acaba. Não tem mais como queixar-se de nada. Deixa de lado a inveja dos vizinhos, e aqueles pensamentos pobres sobre a razão da sua infelicidade. Agora sua preocupação é com a segurança pessoal e a maneira de administrar tanto dinheiro.

         Ao contrário do que normalmente se faz num caso assim, decide não mudar de cidade, até para mostrar para aquela “gentinha” que agora ele é alguém importante. E até cria uma fundação para ajudar os pobres, com a intenção de mostrar à sociedade que é um rico diferente, que se preocupa com o próximo.

         Mas nem completa um ano desde o inesquecível dia da sorte grande, e o homem percebe que a rotina de rico também o entedia. Mais do que a de pobre. Não suporta mais os vizinhos e parentes, que só pedem dinheiro – e não pagam. É verdade que a imprensa já o havia esquecido um pouco, mas o cordão de falsos amigos aumenta a cada dia. E os políticos, com a aproximação das eleições, o assediam vorazmente em busca de apoio. Praticamente todos os vereadores apresentam na câmara propostas de homenagens à sua pessoa, aprovadas sempre por unanimidade. São títulos de cidadão emérito, duque disso, comendador daquilo, marquês, conde, pai dos pobres etc.

         Até o padre, mexendo nos arquivos da igreja, descobre que o novo rico havia estudado dois anos no seminário. Isso fazia trinta anos, e ninguém se lembra de ter visto o homem em alguma missa, mas o que importa mesmo é essa antiga ligação com a igreja. Propõe então o sacerdote que o homem seja condecorado com o título de ministro da caridade. Como a bancada evangélica repudia com veemência a proposta, o jeito é encontrar uma solução alternativa, até porque o pastor já havia manifestado interesse em realizar, em sessão solene na câmara, um culto de agradecimento pela bênção da prosperidade que Deus alcançara ao sortudo. Em votação unânime, os vereadores conferem-lhe então o título de missionário ecumênico para as causas sociais, contentando assim o padre e o pastor.

         Pior ainda é a iniciativa do reitor da universidade, que tenta fazer do homem professor honorário da instituição em troca da doação de um prédio para funcionamento do curso de Direito. Um detalhe impede a concessão do título: o homem é semianalfabeto. Então, para não perder a polpuda doação, o condecoram com o título de patrono local do curso de Direito.

         Falta de privacidade, agenda social agitada, assédios de todos os lados. E aqueles títulos sem merecimento, todos motivados por interesses escusos. Enfastiado com tudo e por tudo isso, o homem conclui:

         - Sou ainda mais infeliz do que era antes de me tornar rico. Deve ser esse lugar amaldiçoado.

         E decide partir para longe, em busca da felicidade (continua na próxima edição).

Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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