A Lei de Moisés considerava imunda toda pessoa portadora de certos tipos de doenças. E infligia ao doente sanções devastadoras. Por exemplo, uma mulher que sofresse hemorragia relacionada a distúrbios do ciclo menstrual não podia aproximar-se de qualquer pessoa, muito menos tocar em alguém ou em objetos de uso coletivo. As coisas tocadas pela mulher enferma deveriam ser destruídas.
Uma mulher hebreia está há doze anos nessa deplorável situação. Já gastou tudo o que tinha com tratamentos. Mas seu corpo definha pela perda contínua de sangue.
E sua alma agoniza de dor por não poder aproximar-se sequer dos familiares. Mas não de uma dorzinha qualquer. Refiro-me à dor mais cruel que se possa imaginar, a dor de ver os filhos atravessarem toda a infância impedidos de receber um abraço ou um beijo da mãe. Refiro-me à dor de passar doze anos sem poder permanecer um só minuto no ambiente onde estão os filhos e o marido. À dor de passar mais de uma década sem poder preparar uma só refeição para a família querida. À dor de saber do sofrimento dos familiares por causa da sua doença. Refiro-me à dor da alma de uma mãe que se vê totalmente inútil para a família – e para o mundo -, pois assim se sente uma mãe que não pode ajudar a criar os filhos. Uma mãe impedida de tocar nas roupas do esposo e dos filhos, para costurar, lavar ou passar. Impedida de fazer a cama dos filhos, e até mesmo de aproximar-se do leito deles para a oração e o beijo antes de dormir. Por doze anos!
Em outra parte da cidade, outra história triste. Uma menina de doze anos de idade jaz moribunda em seu leito. Nascera cheia de vida no mesmo ano em que a mulher hebreia começara a sofrer da hemorragia. Os doze anos que para a pobre mulher foram de incomparável sofrimento, para essa criança foram da mais radiante felicidade. Para a mulher, os doze anos mais longos de sua vida; para a menina, o mesmo tempo foi curto demais para extravasar toda a energia emanada de uma vida saudável e feliz.
Agora as duas estão diante da morte implacável. Sem esperança. Mas eis que uma notícia entrelaça a história e o destino das duas. Um homem especial anda pela cidade. Seu nome é Jesus de Nazaré. Dizem que coloca as mãos sobre os doentes e eles ficam curados.
A menina acamada já não pode mover-se. Seu pai é quem vai ao encontro do Mestre. A mulher está longe de sentir-se em condições de caminhar; mas ninguém irá por ela, até porque o Homem que cura está por lei impedido de impor-lhe as mãos. Mesmo raquítica e fraca, ela reúne ainda alguma força para locomover-se em busca do milagre.
O pai da menina se chama Jairo, um líder religioso importante. Chega primeiro. Atira-se aos pés de Jesus e roga desesperado:
- Mestre, minha filha única está morrendo. Por favor, venha comigo à minha casa e coloque as mãos sobre ela.
A mulher bem que queria fazer como Jairo, atirar-se no chão, chorar e gritar para atrair a atenção do Mestre. Mas não pode; sua presença ali em público é completamente clandestina. Deveria por lei estar longe de qualquer pessoa, e agora está no meio de uma multidão que se aperta em torno do Mestre. Se alguém a reconhecer, pode ser presa. Mas desistir está fora de cogitação. Espremendo-se por entre a multidão e agarrando-se às pessoas, consegue andar até onde está Jesus. Assim que tem uma chance, estica bem o bracinho magro e agarra a túnica do Mestre. Só isso. E fica curada. Na hora.
Quando já se afasta sorrateira pensando que Jesus não a tivera notado, eis que o Mestre aborda a mulher, que relata ter de fato tocado Suas vestes.
- A tua fé te salvou – disse Jesus.
Nisso alguém avisa o pai da menina que esta acabara de morrer. Mas a notícia não detém o Mestre, que segue caminhando em direção à casa de Jairo.
- Não temas, crê somente – são as palavras de consolo ditas por Jesus ao pai da criança.
E Jairo crê. Por isso Jesus ignora a informação da morte, ordenando que a menina deixe o leito. E ela se levanta. Cheia de vida novamente.
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
Foto: Rádio JB