A ONG Princípio Animal, de Porto Alegre, denunciou duas empresas por abandonarem durante a enchente os animais que comercializam. Pássaros, roedores e outros animaizinhos passaram 15 dias trancafiados nos fundos dessas lojas, sem água, sem comida, sem luz e logicamente sem liberdade. Em uma dessas lojas, todos os bichinhos morreram afogados. Na outra, alguns ainda foram resgatados com vida, mas doentes pelo sofrimento que passaram.
Dá para entender por que os donos dessas empresas e seus empregados praticaram essa indescritível crueldade? Sim, dá para entender com clareza solar. Mas já adianto que não abandonaram os bichinhos porque tiveram que sair às pressas para salvar as próprias vidas. Porque em Porto Alegre a enchente não aconteceu de repente; começou bem de vagar, tendo toda a população sido avisada da evacuação de prédios, região por região. Com dias de antecedência.
Mas eles trancaram todas as portas e janelas, retiraram o que para eles tem mais valor (computadores, dinheiro, medicamentos, rações mais caras), e saíram sem ainda ter uma só gota de água dentro das lojas. Deixando para trás a única coisa que realmente tem valor: a vida. A vida que essa gente que vende e que compra animais de estimação despreza.
Em lojas que vendem animais de estimação, a vida é mercadoria barata. Por isso os donos e empregados nem avisaram os bombeiros ou vizinhos sobre a existência dos animais no local. Se qualquer um deles contasse isso em casa para uma criança, a situação poderia ter tomado outro rumo, pois as crianças – mesmo as deles - têm sentimento e respeito pela vida dos animais.
Com umas poucas sacolas na mão, poderiam empregados e patrões ter saído das lojas carregando todos os bichinhos. Mas por que não fizeram isso? Por que não avisaram a polícia, os bombeiros? Por que não contaram em casa para as crianças? Por que não telefonaram para o rádio ou a TV? Por que não postaram nas redes sociais? Meu Deus do céu!
Tenho mais mil perguntas parecidas, que me martelam a alma sem cessar. E para todas tenho resposta. Uma só resposta: essa gente não tem parte com Deus. Porque valoriza o “ter” em detrimento do “ser”. Para esse tipo de gente, a vida que interessa jamais será também a dos animais, a não ser que possa ser trocada por bastante dinheiro.
Nas lojas que vendem animais de estimação, a situação é assim: gaiolas repletas de pássaros e outros animais pequenos são empilhadas com sacos de ração, rolos de arame, chapéus e caixas de qualquer coisa. Num ambiente insalubre e hostil a todo tipo de vida. Porque para esses comerciantes a vida que está ali é exatamente uma mercadoria. Tento evitar entrar nessas lojas. E cada vez que não tem outro jeito, sempre estraga meu dia, minha semana. Saio de lá pensando sobre a maldade dos homens. E perguntando a Deus quando isso terá fim. Um dia isso tem que ter fim!
Recuso-me a descrever o sofrimento atroz que passaram os animaizinhos na escuridão fria dessas lojas em Porto Alegre. Enquanto os comerciantes e empregados seguiam com suas famílias, bem agasalhados e alimentados. E livres. Sim, gozando de um direito do qual jamais abrem mão: a liberdade. Enquanto os animais se debatem presos, numa luta desesperada e inútil contra a covardia humana de grades e paredes em que foram enclausurados para morrer afogados.
Mais uma pergunta: de quem é mesmo a culpa por uma inominável e covarde atrocidade como essa?
Sem medo de errar, aponto três categorias de culpados. Em primeiro lugar, o Congresso Nacional, que permite por lei a comercialização de animais para “bonito”. Em segundo, quem compra para ter em casa pássaros, coelhos, porquinhos da índia, peixinhos ou outros animais. Só em terceiro lugar aparece o comerciante como culpado desse tipo de crueldade. Porque o comerciante de bichos é um ser diferente, a ele só interessa o dinheiro da venda. Se você não comprar os animais dele, ele para com esse comércio maldito.
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
Foto: Rádio JB