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Pedro e Judas. Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
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Publicado em 20/07/2024

 

Dentre os doze apóstolos, Pedro e Judas se destacam por uma lamentável semelhança de comportamento: ambos pecam de forma grave. Pedro porque nega conhecer Jesus (Mt 26.72-74); Judas porque trai o Mestre entregando-o aos algozes (Mt 26.47-49).

Entretanto, os dois apresentam também pelo menos duas diferenças marcantes. A primeira diz respeito ao motivo pelo qual pecam. Judas, por pura maldade; Pedro peca apenas por fraqueza. A segunda diferença refere-se ao comportamento de cada um depois do erro. Judas sente remorso, mas, ao invés de procurar perdão e reaproximação de Cristo, suicida-se; Pedro arrepende-se, chora amargamente, dá “meia volta” e consegue reerguer-se.

         São João conta que Judas sabia bem dos hábitos e da rotina do Mestre, conhecia o local onde Jesus costumava reunir-se para orações, descansos e ensinamentos (Jo 18.2). Portanto, para praticar o execrável ato da traição, esse discípulo aproveita-se covardemente do privilégio de ser destinatário da divina confiança. E o seu pecado é previamente calculado, premeditado, o que torna sua conduta mais repugnante. Além disso, age mediante paga. Lembre-se que o Código Penal brasileiro considera qualificado e hediondo o delito contra a vida cometido mediante pagamento ou promessa de recompensa. Então não resta dúvida de que o gesto de Judas está carregado de abominável maldade.

         Pedro, por sua vez, nunca arquitetou na mente algo que pudesse prejudicar o Mestre; pelo contrário, sempre jurou fidelidade e lealdade plenas ao seu Senhor mesmo nas horas difíceis. Seu pecado, portanto, foi praticado apenas por fraqueza.

         Embora a Bíblia não diga expressamente, é lógico que depois da traição Judas sente apenas remorso e não arrependimento verdadeiro. Por isso o seu fim trágico. Com Pedro é diferente, ele se arrepende de forma sincera e procura de todas as formas refazer-se na caminhada com Cristo.

         A propósito, o dicionário Aurélio conceitua remorso como “inquietação da consciência por culpa ou crime cometido”, e arrependimento como “livre aceitação do castigo e disposição de evitar futuras violações de normas”.

         Lendo sobre o tema, descobri uma teoria interessante sobre a diferença entre remorso e arrependimento. Remorso possui apenas duas etapas: intelectual e emocional. Já o arrependimento é composto por três fases distintas: intelectual, emocional e volitiva. Na fase intelectual a pessoa se convence do erro, tem dele consciência. Na emocional sente tristeza e sofrimento pela culpa do pecado. Já a fase volitiva diz respeito à vontade de recuperar a posição em que se encontrava antes do erro, ao desejo de endireitar seu caminho.

         É fácil compreender, portanto, que Judas fica só no remorso, pois entende seu pecado (tanto que tenta devolver o dinheiro obtido ilicitamente) e sente profunda tristeza (Mt 27.3-5). Mas Pedro passa pelas três fases do arrependimento: reconhece o pecado, sente tristeza (Mt 26.75), e também recupera sua posição de apóstolo fervoroso. Diz a Bíblia que tempos depois, quando Pedro passava nas ruas até sua sombra curava os doentes (At 5.15,16). Perseguido por causa de Cristo, foi crucificado de cabeça para baixo, mas sequer teve ideia de negar o nome de Jesus novamente. Judas o que fez? Enforcou-se.

Jamais pequemos por maldade. Que o nosso pecado seja sempre o de Pedro. Nunca o de Judas.

 Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

Imagem: “A Última Ceia”, por Leonardo da Vinci. Reprodução Internet

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