Milca, Macla, Tirza, Noa e Hogla são os nomes delas. Cinco moças totalmente desconhecidas entre nós. Estão na Bíblia, mas acredito que até mesmo padres, pastores e rabinos jamais se interessaram por suas histórias de vida.
Conhecemos a história de muitas mulheres fantásticas da Bíblia. Ana, Ruth, Isabel, Sara, Maria, Maria Madalena e Marta. Sobre elas muito ouvimos e falamos. Mas dessas cinco não. E elas são tão especiais como as outras. Um feito protagonizado por elas repercute diretamente na nossa vida. Por isso decidi lembrá-las neste escrito.
Com idade avançada, Moisés está prestes a nomear seu sucessor (Josué) para guiar o povo pelo resto do caminho rumo a Canaã. A sociedade hebraica é regida por um ordenamento jurídico sedimentado, com leis civis rigorosas. Relativamente ao direito de herança, essas normas jurídicas são claras no sentido de que apenas os filhos homens podem herdar o patrimônio do pai. Regra legal por todos cumprida à risca, sem qualquer ponderação.
Até que morre o pai de Milca, Macla, Tirza, Noa e Hogla. Como não têm irmão para herdar as terras do pai, pela lei da época essas cinco moças estão agora condenadas à miséria e ao trabalho escravo. Um detalhe torna a história ainda mais dramática: sequer a mais velha tinha-se casado, o que leva à conclusão de que as mais novas são apenas adolescentes, pois na época as mulheres casavam muito novas.
Mas elas vão a Moisés, o líder maior do povo, que é também um sábio jurista:
- Nosso pai morreu. Sabemos que por lei não temos direito de ficar com os bens dele. Por favor, Moisés, mude essa lei, pois ela é injusta.
Quando alguém morre, seus bens passam a integrar o patrimônio dos legítimos herdeiros. Automaticamente. Isso é regra desde o surgimento do direito de propriedade. Desde muito antes de Moisés. Lógico então que o processo de sucessão das terras deixadas pelo pai das cinco moças já está em tramitação, de maneira que uma resposta positiva de Moisés a elas pressupõe, além da alteração de todo o sistema legal de direito hereditário, a interrupção imediata do exercício legítimo do direito de terceiros (os tios das requerentes) sobre a propriedade do falecido. Logo, a solução da controvérsia não depende só de Moisés.
Mas a insistência das moças é tão grande, que Moisés se vê obrigado a reunir os príncipes, sacerdotes, enfim, todos os integrantes do alto escalão do governo para tratar do assunto. Segundo o relato de Números 27, ocorre até uma espécie de audiência pública, em que as moças apresentam sua inconformidade diante das autoridades e de toda a congregação.
É claro que no início as moças nada conseguem, falando com Moisés. Nem na tal audiência com as autoridades. Quanto mais intenso o debate sobre o tema, mais controvérsia. Ocorre que mexer com o direito de propriedade não é algo que se faça de uma hora para outra. Ou mesmo de um ano para outro. Isso é repetidamente explicado às irmãs Milca, Macla, Tirza, Noa e Hogla, que, no entanto, continuam firmes no propósito de lutar até ao fim contra aquilo que julgam injusto.
Moisés não tem outra saída. Apela para Deus. E eis a resposta de Deus:
- Moisés, essas moças estão cobertas de razão. Mude a lei sobre direito de herança, para que elas possam ficar com as terras de seu pai. E diga ao povo que é ordem minha.
Você se acha fraco para transformar o mundo? Cinco mocinhas órfãs, entre elas duas ou três adolescentes, por volta do ano 1.400 antes de Cristo, fizeram mudar o Direito, e logo em relação à parte mais difícil de ser alterada.
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)