A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) vai investir até R$ 106 milhões na compra de mais de 2,5 mil toneladas de leite em pó de associações e cooperativas da agricultura familiar — volume equivalente a mais de 20 milhões de litros de leite integral —, com foco nos estados da região Sul do país, principal polo produtor do Brasil. A medida, de execução imediata, busca mitigar a crise enfrentada pelos produtores, provocada pelo excesso de oferta. O anúncio foi feito na manhã desta terça-feira (23) pelo presidente da estatal, Edegar Pretto, na Superintendência Regional da Companhia no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, com a participação de representantes de entidades do setor leiteiro.
De acordo com Pretto, o auxílio reflete a disposição da Companhia e do Governo Federal em ouvir e atender um setor produtivo de extrema importância para o país. Segundo ele, a produção de leite neste ano superou a de períodos anteriores, e a iniciativa permitirá “enxugar” parte da oferta, com a expectativa de que os preços pagos aos produtores retornem a patamares mais elevados. “Essa ajuda é fruto de uma intensa mobilização que fizemos em Brasília para que o setor leiteiro siga incentivado a produzir. Foram muitos dias de escuta e de diálogo com ministérios, em busca de uma solução que beneficiasse toda a cadeia produtiva do leite”, destacou.
O Brasil é o terceiro maior produtor de leite do mundo, com produção concentrada nos estados de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que, juntos, respondem por cerca de 70% da produção nacional. Apenas no ano passado, o país produziu 35,6 bilhões de litros de leite. Dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 98% dos estabelecimentos rurais dedicados à bovinocultura leiteira produzem até 500 litros por dia.
Segundo Pretto, além de apoiar o setor leiteiro, a iniciativa também beneficiará a população em situação de vulnerabilidade social, integrando ações de combate à fome. “O que buscamos com essa ação é fortalecer a produção leiteira da agricultura familiar, adquirindo o excedente para garantir renda aos trabalhadores, manter uma atividade estratégica para o país e, ao mesmo tempo, assegurar o acesso a um alimento de qualidade às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional”, afirmou o presidente da Conab.
Atualmente, o valor de referência estabelecido pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) é de R$ 1,88 por litro, enquanto o preço médio praticado pelo mercado gira em torno de R$ 2,22 por litro. Nesta operação, considerando que, em média, são necessários oito litros de leite integral para a produção de um quilo de leite em pó, além dos custos operacionais, a Companhia pagará cerca de R$ 41,89 por quilo do produto. O valor é único e foi calculado a partir do preço médio de referência das superintendências regionais do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Para o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, a iniciativa chega em um momento crucial para os produtores brasileiros, que enfrentam dificuldades para reduzir a oferta no mercado, agravadas pelo aumento das importações de leite argentino. “Os produtores de leite vivem uma situação muito difícil e qualquer apoio é muito bem-vindo. Essa compra do Governo Federal, por meio da Conab, vai ajudar a retirar o excesso de produto do mercado e contribuir para impulsionar novamente o setor leiteiro nacional”, afirmou.
Já o presidente da Cooperativa Regional dos Assentados da Fronteira Oeste (Cooperforte), de Santana do Livramento, Elio Müller, destacou que o anúncio representa um alívio para as entidades do segmento. “Nossa cadeia produtiva vem sendo fortemente impactada por questões de preço e de mercado. Essa medida traz um desafogo importante, pois enfrentávamos dificuldades para escoar o leite para a indústria nos últimos dias. Saímos satisfeitos com essa iniciativa do Governo Federal, pois entendemos que ela permitirá a retomada do escoamento da produção para a indústria”, avaliou.
A aquisição será realizada no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), na modalidade Compra Institucional (CI). Nesse formato, a Conab publica nesta terça-feira o aviso no site oficial; as organizações poderão se cadastrar até domingo, dia 28, e ofertar os produtos disponíveis, que serão posteriormente contratados pela Companhia.
Conforme a medida anunciada, agricultores familiares, por meio de associações, cooperativas e demais organizações formalmente constituídas dos estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Alagoas, Sergipe e Goiás, poderão inscrever propostas para o fornecimento de leite em pó.
Uma das principais mudanças desta operação é o aumento do limite financeiro: o teto de pagamento por família passa de R$ 15 mil para R$ 30 mil, além da multiplicação por quatro do limite por organização. Com isso, cada entidade poderá atender até 200 famílias, ampliando significativamente o alcance da política pública.
Os recursos já estão contratados e a operação tem caráter emergencial, garantindo resposta rápida ao setor produtivo. A estimativa é atender cerca de 25 entidades em todo o país. A execução ocorrerá de forma articulada entre a matriz da Conab e as superintendências regionais responsáveis pelos estados de origem das organizações fornecedoras, conforme previsto na modalidade.
O sistema da Conab está aberto para manifestação de intenção de venda pelas organizações. O prazo para cadastramento encerra-se em 28 de dezembro. As propostas devem ser enviadas pelo aplicativo PAANet — Proposta Doação, acompanhadas da documentação exigida no comunicado disponível no site da Companhia, que reúne as diretrizes da operação. Toda a documentação deverá ser encaminhada ao e-mail da Superintendência da Conab correspondente à origem do produto. A classificação das organizações inscritas será divulgada conforme o cronograma estabelecido.
Distribuição dos recursos e quantidades por estado
Apesar de a operação ter foco nos estados da Região Sul — que lidera a produtividade, com média de 4 mil litros de leite por vaca —, a iniciativa também contemplará organizações de outras regiões do país. Do total de recursos, R$ 47 milhões serão destinados ao Rio Grande do Sul (44%), para a compra de mais de 1,1 mil toneladas de leite em pó. O Paraná receberá R$ 18 milhões (17%), para cerca de 430 toneladas, enquanto Santa Catarina contará com R$ 16 milhões (15%), para aproximadamente 382 toneladas.
Alagoas terá aporte de R$ 10 milhões (9%), chegando a quase 239 toneladas; Goiás e São Paulo receberão R$ 6 milhões cada (6%), o que corresponde a um pouco mais de 143 toneladas adquiridas; e Sergipe ficará com R$ 3 milhões (3%), ou seja, em torno de 72 toneladas.
Os recursos foram repassados à Companhia pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). O leite em pó adquirido será destinado a populações em situação de insegurança alimentar e nutricional, conforme demanda da pasta, além de atender pessoas impactadas por catástrofes climáticas, por meio da composição de cestas de alimentos.
Maior suporte aos produtores do RS
Afetado pelas enchentes em 2023, o Rio Grande do Sul deixou de ocupar a terceira posição na produção nacional de leite e registra queda contínua no número de produtores. Ainda assim, a atividade está presente em 451 municípios, com 129 mil estabelecimentos produtores, e gera anualmente cerca de R$ 9 bilhões. Apenas no ano passado, o estado produziu 3,1 bilhões de litros de leite, o equivalente a 12% da produção nacional.
Para estimular a continuidade da produção no estado — que possui maior capacidade de industrialização e condições para transformar o leite integral em pó —, a maior parte dos recursos será destinada ao RS, especialmente às regiões Norte e Nordeste, onde se concentra a produção, predominantemente realizada pela agricultura familiar, responsável por 63% do setor leiteiro gaúcho. A expectativa é de que cerca de dez organizações do estado sejam atendidas pela operação.
Apoio ao segmento há 2 anos
Com investimento 6% superior ao realizado há cerca de dois anos, a ação atende a uma demanda histórica dos produtores e integra os esforços da Conab para apoiar o setor. Em 2023, a Companhia também operacionalizou R$ 100 milhões na compra de leite em pó da agricultura familiar. Nos próximos dias, a estatal deve divulgar novos detalhes operacionais da atual chamada pública.
A Compra Institucional é uma modalidade do PAA que permite a aquisição direta de alimentos da agricultura familiar pela Conab, observando preços de referência e limites de participação por organização. Os produtos adquiridos são destinados a equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional ou utilizados para recomposição de estoques estratégicos mantidos pela estatal.
O comunicado completo, com a lista de produtos, critérios de participação, orientações de entrega e demais regras da modalidade Compra Institucional, está disponível na página oficial de execução do PAA, no site da Companhia.