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Quando nosso barco afunda. Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
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Publicado em 14/09/2023

Tempos de Império Romano. Um navio está para sair de Cesareia (Palestina) rumo à Itália, via mar Mediterrâneo. Políticos e juristas romanos que atuam em Cesareia estão às voltas com um grande problema: os judeus estão alvorotados com a presença de um missionário polêmico nas redondezas. O homem já está preso. Exigem-lhe pena de morte, alegando que suas pregações atentam contra a ordem pública. Sabendo da presença de autoridades romanas em Cesareia, alguns líderes do Judaísmo descem de Jerusalém para pressionar os romanos que lhe entreguem o homem para ser julgado em Jerusalém, uma vez que teria atentado contra a religião judaica.

         Mas os romanos são bons na arte de “lavar as mãos” quando a coisa aperta. Aproveitando que o tal navio está de partida, metem nele o missionário preso e mandam-no a Roma para ser julgado pelo César, atendendo a uma apelação do próprio prisioneiro.

         Isso acontece há cerca de dois mil anos; o dito navio é precário, tocado a vela, e leva quase trezentas pessoas, além da carga de mercadorias e mantimentos. A embarcação sofre um naufrágio. Afunda. Perdem-se a carga e todos os pertences dos passageiros e tripulantes. Embora só com a roupa do corpo, todos escapam com vida em uma ilha.

         O prisioneiro não é pessoa comum; estou falando do grande Paulo de Tarso. Inteligente, culto, destemido, fervoroso e de muita fé. Não tenho dúvida de que ele havia confiantemente orado para que Deus evitasse o naufrágio e também o livrasse daquela prisão injusta. O navio afunda completamente, e ele continua preso.  Mas por que Deus não teria escutado a oração de um homem que estava disposto até mesmo a morrer pela causa do evangelho?

         Aprendi que Deus cuida de seus filhos como um bom pai. Que ele atende a todas as nossas orações. Supre nossas necessidades quando oramos com fé. Que Deus até permite que passemos por tempestades, por lutas, é verdade, mas na hora certa sempre nos dá o livramento. Ouvi de um pregador que “o barco em que Jesus está pode até ficar molhado pela fúria das ondas, mas jamais afunda”.

         Todavia, a história que relatei mostra que mesmo com Deus o barco pode afundar. Há porém um detalhe fundamental: Deus sempre cuida do principal. Ele não explica previamente o que acontecerá depois da nossa oração, tampouco quando e como nos atenderá. Mas sempre nos atende. Veja, desde o momento da prisão Paulo pede que Deus o livre do cárcere; desde o começo da tempestade ele ora para que o barco não afunde. Nada acontece. Faz dois anos que está preso. E o navio jaz no fundo do mar. Mas no final Deus cuida do principal, e tudo fica bem. No caso, o principal não é a vida de todos e também a liberdade do pregador? Exatamente. E isso foi resolvido milagrosamente.

         Só depois, já em Roma, Paulo entende que afundar o navio faz parte do plano de Deus para livrá-lo das acusações e prisão injustas. Na hora do julgamento, quando o juiz pede as provas escritas contra Paulo, os acusadores explicam desolados: todas as provas contra o prisioneiro se perderam no naufrágio; os autos do processo criminal do preso afundaram com o navio. E juiz não condena sem provas. Logo, Paulo é absolvido e liberto.

         Deus atende às nossas orações, mas da sua maneira, não do jeito que pensamos melhor. Quando passamos por momentos difíceis, devemos saber que isso faz parte da estratégia de Deus para nos livrar do pior. Para Paulo, afundar o navio foi condição necessária à sua liberdade. Não fosse o naufrágio, as provas do processo chegariam a César intactas, e Paulo poderia ser condenado à morte, mesmo injustamente.

         Portanto, quando nosso barco navega tranquilamente no mar da vida, é sinal de que Deus está do nosso lado; quando afunda, também.

 Por Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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