No ano 597 antes de Cristo, o rei Nabucodonozor II manda o exército babilônico invadir Jerusalém. Finda a batalha, grande parte do povo hebreu é levado como escravo para a Babilônia. Mais tarde é a própria Babilônia que cai nas mãos dos persas. E muitos dos descendentes daqueles judeus que viviam como cativos na extinta Babilônia continuam agora sob o império da Pérsia, logicamente por não ter como voltar a Jerusalém. Dentre eles há um rapaz chamado Neemias, que serve como copeiro do rei da Pérsia (Artaxerxes). Da inteira confiança do rei, destacando-se dentre suas funções a de experimentar a comida e a bebida real antes de servir, tudo na frente do rei, para checar se não há veneno.
Um dia Neemias fica sabendo que o povo que restara em Jerusalém agora vive em completa miséria, numa cidade literalmente em escombros desde a invasão babilônica. Chora por seus irmãos. Mas, como um grande líder que é, mesmo sendo um simples copeiro do palácio, começa arquitetar um plano para restaurar a cidade sagrada.
Numa festa, enquanto Neemias bebe o vinho do rei para demonstrar que não há perigo de envenenamento, o rei nota tristeza no semblante do copeiro. E pergunta:
- Por que está triste, se não está doente? Isso é tristeza de coração (Ne 2.2). Pronto. É tudo o que o grande líder precisa para fazer do rei um parceiro do nobre plano de ajudar seu povo. Não perde a oportunidade. Começa a colocar em prática seu projeto exatamente nesse momento, aproveitando-se da influência e prestígio que goza junto ao rei pela conduta exemplar que sempre ostentou no palácio.
- Como não estar triste, se a cidade da sepultura de meus pais está em ruínas? – replica o copeiro. Lógico que o rei está alegre nesse momento, pois se ocupa em degustar do melhor vinho do mundo. E a euforia da bebida contribui para que se prontifique imediatamente a ajudar o amigo copeiro a fazer algo em favor daquela pobre gente.
Neemias faz um pedido simples, barato, fácil de atender: pede apenas que o rei o deixe visitar Jerusalém. O rei consente na hora.
A primeira lição que colhemos da atitude de Neemias: um líder aproveita o prestígio próprio para postular junto a autoridades um benefício, um favor aos necessitados. Infelizmente o que mais existe hoje são falsários travestidos de líderes praticando tráfico de influência em benefício próprio, de amigos ricos ou parentes. Mas Neemias, aproveitando a oportunidade certa e o prestígio que lhe dá o caráter de cidadão honrado, busca favor para uma nação inteira.
Neemias demonstra sabedoria, disciplina e rigorosa organização na maneira de convencer o rei a auxiliar no seu projeto. Para começar, o pedido de licença para viagem ocorre na presença da rainha, e qualquer promessa feita por um rei nessas circunstâncias tem de ser cumprida à risca. Além disso, só depois de obter a palavra do rei é que formula outro pedido que tem em mente, agora de expedição de uma carta ordenando que todos os governos dos territórios por onde passar lhe deem acesso livre. Claro que o rei já não pode negar o segundo pedido, pois é vinculado ao primeiro. Do contrário, em não sendo expedida a carta oficial, a viagem seria impossível, e assim estaria em jogo a eficácia da palavra do rei. O rei não tem escolha, e atende ao segundo pedido.
Mas agora Neemias faz um terceiro pedido, de importância bem maior para seu projeto: a emissão de uma ordem do rei para que o responsável pela logística do governo doe material para a obra de reconstrução da cidade, incluindo sua gigantesca muralha.
Chama a atenção a ordem de apresentação dos pedidos, pois, se primeiro fosse solicitado material de construção ou dinheiro, presume-se que o rei diria um rotundo “não”. Outra lição, portanto (continua em edição posterior).
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)