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O filho mais velho. Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)
Opinião
Publicado em 19/09/2024

Jesus Cristo costumava ensinar contando histórias que inventava. Eram as chamadas parábolas. Essas histórias prendiam a atenção dos seus ouvintes de uma maneira especial, pois a trama que criava para cada parábola se encaixava com perfeição às histórias reais de vida das pessoas. Em outros termos, suas histórias apresentavam verossimilhança (poderiam acontecer com qualquer pessoa).

       Certa vez o Mestre contou sobre dois irmãos que viviam confortavelmente com os pais. O mais novo resolve sair de casa. Pede sua parte da futura herança e se aventura irresponsavelmente pelo mundo, até que um dia, depois de ter esbanjado todo o dinheiro, volta para casa, envergonhado e pobre. O irmão mais velho, que ficara na companhia do pai, não aceita o retorno do mais novo. E se revolta com a atitude do pai, que recebe o pródigo com festa.

       Quando falamos ou ouvimos sobre a história do filho pródigo, vem-nos à mente apenas a conduta errada do filho mais novo, que age com imaturidade deixando a casa do pai e desperdiçando todo o dinheiro que seria sua parte da herança assim que o pai morresse. E isso faz sentido, pois colocar dinheiro fora é um grande erro, ainda mais no caso desse filho, que certamente agiu assim mesmo depois de ter ouvido sábio e insistente conselho do pai para que abandonasse a absurda ideia. E a expressão “filho pródigo” por si só se mostra pejorativa, uma vez que significa “filho que bota dinheiro fora ou que desperdiça bens materiais”.

       Todavia, esbanjar bens materiais não é crime. Em princípio, também não é pecado, não é ilegal e, na maioria das vezes, nem imoral. Tem mais a ver com imbecilidade ou loucura. Até por isso as leis civis costumam arrolar a prodigalidade como causa de interdição de uma pessoa. Ou seja, quem se acha na situação do filho mais novo da parábola deve ser impedido judicialmente de lidar com negócios e dinheiro, ficando seus bens aos cuidados de um curador nomeado pelo juiz.

       O pródigo não passa de um fraco, apenas.   Já o comportamento apresentado pelo filho mais velho sim é pecado, é crime, é ilegal e imoral. Veja-se o que ele diz contra o pai:

       - Eis que te sirvo fielmente há tantos anos, sem nunca transgredir as tuas regras, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo porém este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado.

       Tomado de inveja, primeiro ele mente descaradamente ao afirmar que nunca transgrediu as regras do pai. Ora, é absolutamente impossível um ser humano viver sem transgredir regras. Mentira e inveja são coisas imorais. E pecado.

       O filho mais velho ainda lança acusações falsas contra seu irmão, ao dizer que aquele gastara o dinheiro com prostitutas. Como poderia saber tal detalhe, se ainda não havia sequer falado com o irmão ou com as outras pessoas da festa? E acusar falsamente uma pessoa é crime. Além disso, o filho mais velho se refere ao seu irmão com profundo desdém e ódio: “Vindo porém este teu filho...”. Com essa expressão, ele discrimina o pródigo de tal forma, que não mais o considera como irmão. E ao referir-se ao irmão como “este teu filho”, ainda age com clara injustiça, ferindo o coração do pai, que sempre estivera a seu lado, que sempre lhe amara com o mesmo amor dispensado ao filho mais novo. Imagine-se a tristeza desse pai ao ouvir do filho primogênito expressões de tanto ódio contra um irmão. E tudo porque o pai praticou um ato de amor verdadeiro, perdoando o filho.

       Mas por que então somos impelidos a entender que o vilão da parábola de Cristo é o filho mais novo, o pródigo? Certamente porque na vida todos somos por natureza o filho mais velho. Temos dificuldade para perdoar. Não reconhecemos que somos pecadores. Não acreditamos na regeneração das pessoas. Não aceitamos que um irmão mais fraco tenha os mesmos direitos que nós, que nos julgamos fortes na fé, fiéis e até mesmo santos (continua na próxima edição).

 

Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)

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