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O bem e o mal para crianças. Por Nilton Kasctin dos Santos (Professor e Promotor de Justiça)
Por Rádio JB
Publicado em 31/10/2025 10:33
Opinião
Imagem Gemini / Rádio JB
- Vim pedir sua ajuda para proibir o tal “cabelo maluco” nas escolas. Isso é diabólico e serve de preparação disfarçada para o dia das bruxas -, me diz um cidadão outro dia. E sua preocupação parecia sincera.
Nem deu tempo de me recompor do susto que levei, quando o homem emenda:
- O dia das bruxas é uma profanação ao dia de todos os santos, pois cai na véspera desse dia sagrado...
Deixei-o desabafar, e ainda o incentivei a abrir o coração, o que resultou numa ladainha de 20 minutos, só ele falando. Atacou os Mamonas Assassinas, a Xuxa, o Gugu Liberato, a galinha pintadinha e outros personagens relacionados a temas infantis, convicto de que representam um grande mal para a formação das crianças.
 
Claro que não consegui resolver o seu problema, que é na verdade de ordem psicológica, para dizer o mínimo.
Parece incrível, mas no Brasil existe um movimento “cultural” que defende até mesmo a alteração no acervo literário e musical infantil no sentido de extirpar das historinhas e músicas para crianças qualquer conteúdo que tenha conotação de maldade ou alguma outra forma de comportamento politicamente incorreto. Assim, o lobo mau não pode devorar ninguém, nem a cuca ou a mula sem cabeça assustar as crianças. Para usar um exemplo gaúcho, o saci não pode mais fumar e importunar os humanos espantando cavalos. E o Peter Pan certamente terá que se tornar adulto, porque também não está certo viver eternamente criança. Uma grande bobagem.
 
Primeiro, porque na saga da existência humana a relação antagônica entre bem e mal sempre existiu. Até mesmo antes de Adão e Eva conhecerem o pecado já havia o bem e o mal representados pela árvore do fruto proibido.
Segundo, porque a vida adulta, real, é infestada de situações em que o mal não só se faz presente, mas muitas vezes triunfa sobre o bem. Saber da existência do mal ainda na infância, mesmo simbolicamente, significa preparar a criança para continuar perseguindo seus sonhos mesmo diante de alguma derrota.
Terceiro, porque as crianças lidam mais com a fantasia das histórias e a sonoridade das músicas do que com a literalidade das palavras, de maneira que não aprendem maldade só por ouvir, ler ou cantar coisas de monstros, bruxas malvadas, assombrações ou guerreiros que lutam contra o bem. Muito menos por tingir ou embaraçar o cabelo no mês das bruxas.
Quarto, porque a noção de limites de comportamento e disciplina só pode ser assimilada pela criança quando ela já possui referenciais para distinguir bem e mal, certo e errado. Caso contrário, a criança não entenderá a razão de algo ser proibido ou permitido.
 
A causa da violência e do desrespeito aos pais e professores não se assenta nos conteúdos de histórias, filmes ou músicas clássicas infantis. Veja-se que a maioria dos contos de fada dos livros de Grimm e Perrault (que viraram filmes) não foram inventados por eles, mas apenas recolhidos da cultura oral, o que permite concluir que tais histórias já existem há muitos séculos. E o desrespeito às regras familiares e sociais por crianças é coisa mais recente, ficando claro, portanto, que a culpa não é das historinhas ou musiquinhas “violentas”.
 
Tudo indica que crianças e adolescentes que hoje desrespeitam pais e professores sejam exatamente filhos de pais que nunca tiveram tempo para com eles cantar canções de “maldade” ou contar-lhes historinhas de assombrações, monstros e bruxas. Pais que nunca ajudaram os filhos a preparar um “cabelo maluco” da hora ou escolher a fantasia do dia 31 de outubro.
Silenciar sobre o mal na arte, representa negar a sua existência, e isso significa omitir das crianças a verdade sobre a vida adulta, povoada de obstáculos e dissabores que, mais cedo ou mais tarde, investirão contra todos. E retirar da arte situações indesejáveis ou personagens maus pode significar também retirar da criança o gosto pela leitura, pois livros com todos os personagens absolutamente santos é algo monótono e sem graça.
ó para lembrar, o bem e o mal estão presentes em cada livro da Bíblia, no Alcorão e em outros livros sagrados.
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