Todos os agrotóxicos têm uma finalidade única: intoxicar organismos e microrganismos vivos, sejam vegetais ou animais, com o objetivo de evitar danos à produção ou conservar produtos agrícolas.
Quanto ao modo de ação, os agrotóxicos se dividem em sistêmicos e de contato. Os sistêmicos são aqueles que, quando aplicados, circulam através da seiva (o “sangue” da planta) por todos os tecidos vegetais. Assim, o veneno fica na planta enquanto ela existir. E o veneno que se dispersou no ar será absorvido pelas folhas, pois esta é uma das funções das folhas: pegar químicos do ar e puxar para dentro da planta; o veneno que caiu no solo é absorvido pelas raízes, pois esta é uma das funções das raízes: pegar químicos do solo e puxar para dentro da planta.
Os agrotóxicos de contato agem na parte externa do vegetal. Assim, para morrer, uma lagarta precisaria ser molhada com veneno ou comer uma folha de vegetal úmida de agrotóxico. Em tese, perdem o efeito mais rápido do que os sistêmicos. Mas mesmo os de contato penetram na planta através de suas porosidades, raízes e folhas.
Por serem mais eficazes para a produção agrícola convencional, os agrotóxicos sistêmicos são disparadamente os mais usados no Brasil. E por misturarem-se às moléculas da planta são eles os principais responsáveis pelo alto índice de resíduos tóxicos encontrados nos alimentos até mesmo depois do processamento. Um grão de feijão produzido com agrotóxico sistêmico conserva parte do veneno dentro dele, em todas as suas moléculas. Não adianta lavar, cozinhar, triturar, resfriar, esquentar, desidratar ou benzer os grãos de feijão antes de comer. Moléculas são partezinhas muito pequenas do grão, e em todas elas haverá uma porção do veneno.
Outro dia ouvi alguém ensinando como lavar as frutas para “retirar” resíduos de agrotóxicos. Ora, tentar limpar com água restos de veneno sistêmico de um alimento é como tentar tirar do meu sangue os traços genéticos de minha mãe, que veio da Letônia, e assim evitar que meus filhos nasçam parecidos comigo e com ela. Definitivamente, a única defesa contra os impactos destrutivos dos agrotóxicos na nossa saúde é não usá-los.
Outra coisa. Tanto os agrotóxicos sistêmicos como os de contato são lançados no ambiente. A tal degradação pelo tempo não significa que o veneno vá desaparecer. Degradar não é deixar de existir. É apenas mudar a forma da matéria. Venenos são feitos da junção de moléculas. Como um tijolo ou uma porção de leite. Podemos até queimá-los, mas não destruímos suas moléculas e átomos. Eles continuarão na atmosfera. Na água. No Planeta.
Para entender essas coisas não é necessário ser agrônomo, químico ou físico; basta só raciocinar um pouco. De regra não é em curso superior que se aprende o que estou dizendo; é nas aulas de Química, Biologia e Física dos ensinos fundamental e médio.
É comum encontrarmos agrônomos que defendem verdadeiras heresias em relação aos agrotóxicos. Não me refiro a agrônomos que aproveitaram as aulas de química, física e biologia da adolescência, e, como eu, ainda raciocinam. Esses jamais defenderiam venenos.
Ao lermos as bulas dos agrotóxicos, constatamos que praticamente todos eles causam danos crônicos aos sistemas nervoso e endócrino, afetando inúmeras atividades biológicas do organismo animal, como crescimento, metabolismo, reprodução, coordenação motora, provocando câncer, alterações nas funções sexuais, puberdade precoce, diabetes, infertilidade, malformações fetais, pré-eclâmpsia, aborto, endometriose, disfunções de tireoide, depressão, obesidade etc. Existem fartos estudos sobre isso.
Curiosamente (ou logicamente), a explosão dos números de casos dessas doenças descritas nas bulas da maioria dos agrotóxicos coincide com a intensificação do uso desses produtos na agricultura moderna convencional. Vivemos no Brasil uma multiepidemia de doenças graves que são apontadas em estudos científicos e nas próprias bulas dos agrotóxicos como efeitos colaterais da utilização de venenos na produção de alimentos.
Por Nilton Kasctin dos Santos (Professor e Promotor de Justiça)