Não bastasse a inveja, o egoísmo, o ódio, o orgulho e a arrogância, o filho mais velho ainda acusa de forma clara seu pai de ser injusto. E isso parece um dos aspectos mais graves da história, pois tudo o que o pai está fazendo corresponde exatamente o contrário das afirmações desse filho. O pai está tratando os dois filhos em igualdade de condições, com o mais puro amor de pai. E o mais velho sabe disso. Só acusa o pai de injusto por maldade.
Mas há ainda outra característica a distinguir os dois filhos. O mais novo, antes de sair de casa, chama o pai, respeitosamente, e diz: “Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence”. Note-se que nesse momento não há outras pessoas em volta, tudo ocorre discretamente.
Já o filho mais velho, quando do retorno do pródigo, dirige-se ao pai desta maneira: “...Vindo porém este teu filho...”. Ele não mais chama o pai de pai, nem o irmão de irmão. Só que agora há inúmeras pessoas presenciando esse diálogo do filho mais velho com o pai. A festa que o pai dera pelo retorno do pródigo está em pleno andamento. Tudo se passa do lado de fora da casa, pois o mais velho se recusa a entrar. Então ao local do diálogo devem ter acudido inúmeras pessoas. Com o alvoroço, certamente param a música e a dança, até porque o pai sai a fim de instar para que o filho mais velho entre e participe da festa. Assim, mesmo as pessoas que talvez não tenham inicialmente percebido o episódio, ficam logo sabendo da triste cena de humilhação do pai, pois é lógico que o comentário posterior é geral e intenso, até mesmo extrapolando o lugar da festa.
Portanto, enquanto o filho pródigo se despede do pai discretamente, o filho mais velho o humilha em público. E logo o filho mais velho, o primogênito, que no costume judeu deve figurar como anfitrião da festa, recebendo e acomodando os convidados para que o pai possa aproveitar o máximo do momento especial de comemoração.
Com a parábola, Jesus Cristo está mostrando como funciona o reino de Deus. O pai é Deus, que sempre dispensa o mesmo amor, seja para com o filho pródigo, que resolve abandonar a fé, seja para com o que sempre está em casa (mesmo assim está mais perdido que o pródigo).
Quanto a nós, quase sempre somos o filho mais velho. Injustos com nosso Pai celestial. Cheios de egoísmo, arrogância e até ódio contra nosso irmão mais fraco. Vivemos na companhia do pai, mas não enxergamos e não sentimos isso. Recusamo-nos a entender que, na companhia do Pai, somos privilegiados. Porque desfrutamos do respeito de filho, de credibilidade, honra e dignidade. E, ao invés de festejarmos um ato de amor do Pai ao perdoar o perdido, ainda sentimos inveja do nosso irmão, que retorna arrependido, desmoralizado, pobre, desonrado, faminto e envergonhado.
Às vezes somos o filho pródigo, é claro. Assim, ao retornarmos à casa paterna, arrependidos, estamos em melhor situação do que o filho mais velho, pois, mesmo tendo um dia deixado de crer em Deus e de servi-lo, o certo é que agora estamos retomando nosso lugar na casa do Pai, no reino de Deus. E o Pai está sempre de braços abertos para nos receber.
A parábola do filho pródigo possui uma peculiaridade que chama a atenção. Não apresenta um final. Não sabemos se o filho mais velho entra na festa, ou se ele abandona o lar por não concordar com a volta do mais novo. Não sabemos se o pródigo dirige a palavra ao irmão, pedindo-lhe a compreensão. Também não sabemos a reação dos convidados, que com certeza devem manifestar opiniões divididas, uns defendendo o pai, outros o perdido que volta, outros (a maioria) posicionando-se do lado do filho mais velho. Nem sabemos se a festa prossegue após a reação do filho mais velho.
Mas a omissão do final da história é intencional. O Mestre deseja que olhemos para dentro de nós mesmos a fim de descobrirmos com qual personagem nos identificamos. Se com o pródigo ou com o filho mais velho. O Pai é Deus; nós somos um desses dois filhos. O final da história é nosso.
Por Dr. Nilton Kasctin Dos Santos (Promotor de Justiça e Professor)